segunda-feira, fevereiro 21, 2005

 

Depois da Morte I

Esta crónica que para mim é brilhante, recortei-a do Jornal de Noticías em 1994, na altura encontrava-me na plenitude da adolescência, onde frequentemente surgem as dúvidas sobre o que é a vida, a morte, qual o caminho a percorrer. Na altura ajudou-me a dar uma certa serenidade, pois por vezes, os pensamentos mais dúbios e sombrios atacam nesta altura em que estamos a formar uma identidade perante a sociedade e perante nós mesmos. Um dia destes andava a vasculhar reminiscências de um passado recente e encontrei o recorte, o qual me lembrei de partilhar. Vai ser colocado em vários posts, pois tem uma certa dimensão, e assim não se torna enfadonha a leitura


É de Graham Green:"Todos nos resignamos à morte; não conseguimos é resignar-nos à vida". Lázaro morreu. Seu amigo ressuscitou-o.Excepcionalmente. Há dois mil anos, quase. Pelo poder divino. Hoje o mortal médico pratica, trivialmente a ressuscitação. Até de mais, segundo a ética economicista, priviligiando deixar morto o morto. Incriminando até, mediante a distanásia, quem trouxer à vida o falecido. segundo Platão, "tudo o que vive provém do que morreu".
Para Teófilo Gautier, "nascer é começar a morrer".
É possível que haja um limite matemático na morte. A nossa observação grosseira não o descortina, para além de um processo demorado, na concepção máxima temporal, desde o nascimento, ou melhor, da concepção. No decurso existencial de milhares de anos, desde que do barro o homem nasceu e, da costela deste, a mulher, ou o macaco bateu no peito pela primeira vez, dizendo "eu","eu", consciencializando-se na continuidade sucessiva de gerações até aos nossos dias, múltiplos problemas têm sido resolvidos e os que não foram, sê-lo-ão a médio ou longo prazo. Há um que provavelmente ficará em "stand-by" permanente: a vida para além da morte. A dimensão reduzida, individual, da solução será pertença do imaginário de cada um, sem regras, sem nomes, com fé. A existência real que se constrói. Disse Jean Cocteau "a vida é uma parte da morte". Os aborígenes crêem que o espírito existe antes e depois da vida, num estado a que chamam tempo de sonho. os espíritos da tribo e dos seus animais renascem, constantemente, sem parar.
Desde tempos imemoriais, o homem acreditou que havia outra vida depois da morte. Coexistiu sempre também uma memória sem fé em Deus, que acreditou que, quando se morre, é definitivo. Na perspectiva do esoterismo, a morte física é a partida da força vital, a chamada do espírito, a separação entre o corpo físico e o corpo etéreo. A morte filosófica é ascese. Platão, no "Fedon" conta-nos: "Todos os que, no sentido correcto do termo se ligam eventualmente à filosofia não têm outra ocupação senão a de morrer ou de estarem mortos". A morte iniciática significa o acesso a um nível de vida e de consciência superiores pela destruição ou ultrapassagem das condições normais de existência. No dualismo do corpo e alma, o corpo morre, a alma perdura no tempo. E no dia do juízo final, os corpos ressuscitarão mesmo que tenham desaparecido. Voltarão do nada, com a mesma simplicidade do início do nada. Por vontade do supremo. a imortalidade é um desejo inato, como a conservação da vida e a manutenção da espécie. tal desejo aliçersa-se e ganha força na criação de mitos, doutrinas e prácticas reconfortantes na confirmação da fé na imortalidade tão desejada. è possivel que o isolamento e a solidão sejam o maior castigo para a pessoa humana, estruturalmente gregária. a desinserção do eu na realidade existencial colectiva é o paradigma do sofrimento. É muito desejável que exista uma vida depois da morte. Desejavél, lógico e afectivamente confortante. Constrói-se, em regra penosamente, um edifício, para num momento ele ser destruído sem consequências? De Blaise Pascal: "Não há nada de bom nesta vida senão a esperança de uma outra vida". (To be continued...)
J. Pinto da Costa (Catedrático em Medicina).
In:Jornal de Notícias numa edição algures em 1994



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