terça-feira, fevereiro 22, 2005

 

Depois da Morte II

Em face da vida de muita gente, a não existência da vida depois da morte seria o máximo da injustiça. Os que sofrem aqui, gozariam da saciedade no Além. Os outros sofreriam eternamente. Contudo, é possível que o cerne da questão se mantivesse indecifrável. A solidão, inimiga da solidariedade, chave-mestra do comportamento, permanecia sempre. A escolha permanente que é a vida, a manter-se no Além, colocar-nos-ia no dilema para onde ir. Para o Céu, onde estão os chatos e as beatas, ou para o Inferno, onde a larguíssima maioria da gente conhecida, das nossas relações, se desenvolve na eternidade, sem isolamento. Há também o purgatório, o terceiro lugar de Lutero, aparecido no séc. XII e por aquele criticado por não ser oriundo das escrituras. Como disse Anatole France, "os homens que não sabem o que fazer desta vida desejam outra, que nunca acabe". Em favor da vida para além da morte o argumento ético é forte, porquanto parece óbvia a necessidade moral dum equilíbrio último entre as punições e as recompensas de cada um, já que tal equilíbrio é inatingível na vida terrena. Como refere Durkheim, "não existe religião alguma que seja falsa. Todas elas respondem, de formas diferentes a condições dadas da existência humana". Não vamos esgotar as múltiplas interpretações mágico-religiosas na persquisa da sobrevivência no Além. Apenas se recordam algumas. Os vikings acreditavam que as almas dos guerreiros mortos em combate tinham direito a uma vida de festins, em Valhala, no reino do deus Odim. O taoísmo surge nos dias de hoje como uma miscelânia de crenças e prácticas da antiga religião chinesa e do budismo popular. Já quatro séculos antes de Cristo, o taoísmo era teoria filosófica. Concentrando os pensamentos, podemos voar e nascer no Céu. Actualmente, a maior parte dos chineses acreditam na reecarnação, à maneira dos índios, exceptuando os seguidores de Confúcio, materialistas ou agnósticos. Os budistas acreditam na reencarnação, ainda que esta doutrina não se encontre expressa no ensino primitivo que se crê que tenha sido directamente proclamado pelo buda Sidarta Gautama. Os hindus e os budistas acreditavam que a alma volta a nascer num corpo jovem de animal ou de pessoa, reencarnado. Se a pessoa tiver sido muito boa e sensata, poderá escapar a este ciclo e entrar num estado de unidade com o universo, chamado Nirvana. A crença, na União Indiana, relativamente ao eu, é, até certo ponto, semelhante à religião católica. O homem é formado por um corpo mortal e uma alma imortal. A alma, (Jiva) dos indianos é diferente da alma cristã. Enquanto a alma católica existe a partir da fecundação do óvulo e do espermatozóide, o Jiva é anterior à existência corporal.
No Tibete, o bardo Todol, ou seja, as experiências do pós-morte no plano do bardo são uma referência do caminho para a vida após a morte. Pela doutrina do Maiana (budista do Norte, o grande sendeiro), toda e qualquer visão, manifestação de formas, é considerada alucinação mental constuída para nós própios. O maiana é a prática que conduz ao caminho mais longe, à maior distância. Longe de procurar a anulação do indivíduo, ele tem por objectivo a consciência efectivamente livre das aparências e para a qual não hà uma distinção precisa entre o bem e o mal, uma vez que estes se referem simplesmente ao que acontece no mundo ilusório das formas de pensamento.
Na Antiguidade Oriental, os "Capítulos do sair á luz", ou, mais abrangentemente o "Livro dos mortos", são a prova concludente dos egípcios no mundo do além-túmulo. Estes acreditavam na vida após a morte. A alma podia entrar e sair do corpo quando quisesse. Era representada por uma ave com cabeça humana. Depois da morte, Ba tinha de fazer uma viagem perigosa até ao reino de Osíris. era transportada por um barqueiro com olhos na nuca. Osíris julgava as novas almas à meia-noite. Colocava a alma num dos pratos da balança. As almas puras recebiam um pedaço de terra no reino de Osíris. As almas impuras eram assadas na brasa e despedaçadas. A morte sempre como tabu. Na modernidade do tabu de não ser tabu.
(To be continued...)
J. Pinto da Costa (Catedrático em Medicina).
In:Jornal de Notícias numa edição algures em 1994.



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