quarta-feira, fevereiro 23, 2005

 

Depois da Morte III

E finalmente o último post para completar a crónica, que para alguns, se estava já a tornar entediante e que para outros é um assunto a não discutir. Mas existe sempre alguém que dá valor a estas coisas que nos fazem pensar.

A morte é algo para além da experiência consciente. Já que a sua antipatia é inevitável, representa-se por acontecimentos conhecidos agradáveis, proporcionando-lhe uma positividade, à partida, discutível. Guerra Junqueiro chama-lhe sono eterno. Na "Ilíada", Homero apelidava o sono como irmão da morte. Na mitologia grega, dois irmãos gémeos, Hipnos e Tanatos, são o deus do sono e o deus da morte. No Corão, "A vida terrena foi embelezada por falsas aparências para aqueles que são infiéis e para os que se riem dos crentes. Mas os que são piedosos e tementes a Deus estarão acima daqueles no Dia da Ressureição. Deus atribui os seus bens a quem Ele quer, por quem entende". No Islamismo, depois da morte, o homem comparece diante de Deus, como diante de um juíz. Consoante as más e boas acções practicadas em vida, deus escolhe entre castigá-lo ou recompensá-lo. Os muçulmanos acreditam que o espírito dos guerreiros mortos na Guerra Santa (Jihad) vai direito para o Céu.
A primeira vez que vi cadáveres diante de mim, e que os tive de os cortar, senti um profundo mal-estar. Reconheço hoje que mais por mim próprio do que por eles. O que se deparava diante de mim era a própria mortalidade que, com humildade tinha que reconhecer. Mais dia menos dia, estaria na mesma situação. Embora variável o mecanismo intrínseco do pensamento, é inegável a aceitação da noção muito generalizada de que, depois da morte física todo e qualquer um dos seres mortais humanos passaria para um outro plano de existência. Desde sempre, o futuro do homem após a morte tem-se equacionado, fundamentalmente em duas questões simples. Ou a morte é a aniquilação da consciência ou a passagem da alma para outra dimensão do real. "Quanto melhor compreendermos a seriedade da vida mais poderemos rir dela" disse Artur Schopenhauer.
Para os celtas, a vida depois da morte era um local de felicidade total, onde cada um faria o que lhe apetecesse, com muita comida, muitas bebidas, e muitas lutas. Os ferimentos cicratizavam da noite para o dia, pelo que não receavam a morte e chegavam a combater nus. Na Mesopotâmia as almas dos mortos caiam num poço fundo chamado Terra sem regresso. Na prodigiosa imaginação que superioriza a pessoa humana, diferentemente para cada um, o Além existe, nem que seja na forma negativa do não existir, na missão cumprida de fim.
Pitágoras pensava que as favas continham a alma dos mortos e, por isso, proibia que as comessem. Os mortos eram, para os gregos sombras do que tinham sido em vida.
Parafraseando Dolores Fernandez para quem "viver é ao fim e ao cabo, coreografar a vida", direi que morrer é coreografar a morte.
Para cada um, o Além que desejar.
The End
J. Pinto da Costa (Catedrático em Medicina).
In:Jornal de Notícias numa edição algures em 1994.



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