segunda-feira, setembro 19, 2005
O cinema
É recorrente a ideia de que o aparecimento da televisão, do vídeo e dos DVDs afectaram de forma negativa a vivência social do cinema, uma vez que a associação implícita cinema/sala de cinema deixou de existir. No entanto, neste tipo de análise temos que distinguir os grandes centros urbanos do meio rural. Por exemplo, na minha adolescência a decadência do Teatro Faialense já não era só estrutural (o banquinho que pau e o camarote com pulga), mas tornou-se essencialmente funcional, ou seja, as exibições alternavam entre o filme de acção “chunga” e a versão “sucursal do Olímpia”. E portanto, o único cinema que restava era o filme semanal da RTP-a. Quanto à principal função do cinema não me parece que esta se tenha alterado substancialmente, que é a de satisfazer uma série de anseios de dimensão eminentemente popular, nomeadamente de justiça (o bem vence o mal), de instintos básicos (como a violência) e finalmente como fonte inesgotável de fantasia fundamental à sobrevivência num quotidiano entediante. Obviamente, a nossa visão do mundo é em maior ou menor escala influenciada pelos valores estéticos, éticos e mesmo políticos veiculados pelo cinema, que funcionam como modelos de identificação e projecção do espectador. A indústria cinematográfica, muito em particular a de Hollywood, cria estereótipos de perfeição que se por um lado são importantes, pois todos nós precisamos de musas inspiradoras, heróis e de histórias de encantar, esta deturpação da realidade pode ter efeitos perversos. Por exemplo, no que se refere ao conceito estético de beleza as consequências estão à vista: anorexias, bulimias, banalização da cirurgia estética e suas consequências. Quanto às histórias de encantar, criámos o mito das relações perfeitas, sem fazer a pequena ressalva de que quando a princesa beija o sapo este não se transforma em príncipe, ela é que, na maioria das vezes, vira “sapa”.