segunda-feira, março 27, 2006

 

Carta a uma amiga

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Fotografia de Maria Irene Crespo: capa do livro “Carta a Uma Amiga” de Inês Pedrosa.

Este último livro de Inês Pedrosa é tão delicioso, que a minha vontade era transcrevê-lo na íntegra neste post. Sendo isso impossível, decidi retirar algumas passagens usando para isso o critério da página de terminação 8.

“Todas as paixões são histórias de mortos, suicídios metafóricos”, dizes-me tu tantas vezes. “Devíamos aproveitá-las como cursos de preparação para a morte, aulas de desprendimento”. Mas em cada abandono, em cada desilusão, em vez de desprendimento aprendemos o cinismo. Para onde vão os primeiros beijos, os filhos sonhados pelos namorados efémeros, o amor demasiado aflito para viver? Para o armazém das almas, lugar inútil que nos protege da utilidade da vida. Protege-nos de seres reciclados que labutam na “construção” de “relações adultas” forjadas por “interesses comuns”, visando a “estabilidade” e o “progresso”. Quando são capazes de, sem que a mão lhes trema, isolar a paixão (tida por violenta e, portanto, passageira) do amor (tido por pacato e de confiança) as pessoas sentem-se criaturas maduras. Ora o amor propaga-se de uma forma irracional, incontrolável. Contraria a organização económica de “dois em um” que rege a vida contemporânea – champôs, roupa, escritórios, casas – postulando a aristocrática formula, em desuso, do “um em dois” – invasora, fulminante, escapando à poupança, esbanjando energia. A maturidade parece ser o grande mito substituto…E pouca gente se atreve à liberdade de amar sozinha, a fundo perdido, numa timidez convicta de fotógrafo, capaz de transformar a aridez de qualquer facto num vertiginoso acontecimento. Lembro-me daquela frase do nosso querido Vergílio Ferreira, que tantas vezes repetimos baixinho uma à outra: “A felicidade não está no que acontece mas no que acontece em nós desse acontecer”. Nestas fotografias de Helena percebi que aquilo que vemos é sempre e só uma selecção da realidade – e que a realidade é, também ela, uma ilusão, trituradora de lágrimas, sonhos, paixões e verdades, devolvendo-nos a beleza opaca dos espelhos em que nos iludimos para sobreviver. Também para mim a mentira é a maior das traições. Fere-me no pior do meu orgulho, talvez no cerne da minha inteligência: pergunto-me como é que não percebi logo, eu que tenho a mania de que sou de uma intuição rara. “Não se pode pedir às pessoas mais do que elas podem dar”, dizes-me tu, com a voz cheia de nevoeiro. Pode pedir-se mais às pessoas, querida – de outra forma, como descobrirão elas o que têm para dar?




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